Mulher+ l Sem paz para morrer

Por Priscila Horta

Evandro Guedes, ex-policial Militar e fundador da escola preparatória para concursos públicos AlfaCon, diz que vale a pena responder pelo crime de vilipêndio de cadáver*.

Que nossos corpos são violados diuturnamente dentro dessa sociedade misógina, infelizmente não é novidade. Mas é estarrecedor assistir as falas de um formador e preparador de candidatos a policiais minimizando e debochando de mulheres mortas.

“Meu irmão, com aquele ‘rabão’. E ela infartou de tanto tomar ‘bomba’ na porta do necrotério. Duas da manhã, não tem ninguém, quentinha ainda. O que você vai fazer? Vai deixar esfriar? Meu irmão, eu assumo o fumo de responder pelo crime”, diz o então professor da AlfaCon.

O ex-policial ainda ensina a usar secador de cabelo no corpo, após ele esfriar, e diz que aquele seria o dia “mais feliz da sua vida, irmão”. “É crime? É. Você mexeu com a honra do cadáver”, admite. “Mas a pena é desse ‘tamanhozinho’.

Na sociedade contemporânea, o atravessamento dos corpos femininos é diretamente ligado às estruturas de poder. O estupro deixa explícito como o patriarcado abusa dos corpos femininos e feminilizados.
Nesse texto seria redundante trazer a tragédia vivida por mulheres em números porque a questão central aqui é a normalização do absurdo.

Ex-PM fala sobre crime de vilipêndio de caráter em aula — Foto: Reprodução/X
Ex-PM fala sobre crime de vilipêndio de caráter em aula — Foto: Reprodução/X

O que faz um ex-policial dando aula para futuros policiais? Ele, ao invés de descontruir os problemas enfrentados pela sociedade, macula a instituição trazendo a tona o que há de mais podre no “Reino da Dinamarca”.

Desmascara a crueldade, incita crimes, coloca mulheres mortas de quatro e nos mostra o quanto estamos expostas, inclusive quando mortas.

Os casos são muitos: médicos abusando de mulheres sedadas, policiais cometendo crimes em necrotérios, autoridades religiosas violando corpos femininos, tiros de fuzil na cara daquelas que se atrevem a enfrentá-los.

Será que vamos conseguir escapar, mesmo depois de mortas?

*Vilipêndio de cadáver – No contexto da legislação brasileira, a expressão vilipêndio a cadáver remete ao crime previsto no Código Penal Brasileiro: Art. 212. Vilipendiar cadáver ou suas cinzas: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. O Código Penal pune o ato de vilipendiar, isto é, aviltar, profanar, desrespeitar, ultrajar o cadáver ou ter ação. O Código Penal português, no seu artigo 226, parágrafo 2º, pune com prisão até um ano e multa quem profanar cadáveres, parte de cadáveres ou cinzas de pessoas falecidas, praticando atos ofensivos do respeito devido aos mortos.

Segue o vídeo do escroto: