sábado, 27 de julho de 2024

Entrevista com Manú Garcia, a Mulher Maravilha!

por Priscila Horta

A economia do cuidado realizado por mulheres no Brasil foi tema da redação do ENEM e muito debatido nos últimos dias. Convidei Manú Garcia para responder algumas perguntas para que, nós mulheres, possamos perceber que, de maneira geral, estamos vivendo uma rotina exaustiva e que para além disso, precisamos urgentemente nos cuidar também. 

Manú é professora de Pilates Solo e Yoga, Terapeuta Holística Integrativa e Sistêmica. Facilitadora de círculos femininos, guardiã do “Clã da Alcateia” – um grupo dedicado ao estudo e vivências terapêuticas inspirado no livro Mulheres que Correm com os Lobos. É idealizadora do método corpOrgânico, que utiliza do corpo e do movimento como ferramenta de expansão da consciência, reconexão e cura, especialmente para mulheres.

Manu Garcia. Fotos: Arquivo Pessoal
Na categoria Pilates e Yoga, o Studio Manú Garcia
foi o mais citado em 2023 na amostra da Idealize Pesquisas e Publicidade por Serviços Prestados com Excelência

Qual a idade média das mulheres que procuram as práticas integrativas? Existe um padrão observado?

Manú: Acima de 30 anos. No pós-pandemia, tenho observado uma maior procura entre mulheres a partir dos 60 anos. Isso nos mostra uma mudança comportamental diante do aumento da expectativa de vida e da necessidade em rever prioridades no mundo atual.

As mulheres foram as mais afetadas durante a pandemia em diversos aspectos, que impactaram diretamente na saúde física, mental ou emocional. Isso trouxe consequências e as mulheres estão buscando se re-estabelecer no mundo pós pandemia. Sempre estivemos mais abertas a procurar novas ferramentas de autocuidado, olhar para nossas dores e mudar o que seja necessário.

O mito da “Mulher Maravilha” está sendo questionado. Vejo na minha experiência diária, que as mulheres estão mais conscientes da sua sobrecarga e os impactos disso na saúde.

Hoje escuto mulheres de 50, 60 anos falar, “a minha casa está uma bagunça, mas eu vim pra sessão porque é minha prioridade agora.”

Isso é algo revolucionário.

Primeiro ciclo de mulheres  realizado  depois da primeira flexibilização com uso de máscara em 2021
Primeiro ciclo de mulheres realizado depois da primeira flexibilização com uso de máscara em 2021

Como as práticas integrativas podem influenciar a qualidade de vida das mulheres?

Manú: É importante ressaltar que até o final da década de 20, a ciência não levava em consideração as diferenças no processo de adoecimento, fatores de risco e necessidades entre homens e mulheres. Os fatores de estresse, por exemplo, acometem as mulheres de forma diferenciada.

As mulheres apresentam maior incidência de transtornos de ansiedade e depressão, alterações do sono e disfunções alimentares, como bulimia, anorexia e consumo de substâncias tóxicas. Além disso, as mulheres estão mais propensas a desenvolver artrite e artrose. 

Não podemos esquecer que estamos vivendo um momento singular, pós pandemia Covid-19, onde os estudos revelaram que as mulheres foram as mais afetadas, através da sobrecarga e violência doméstica, cuidados não remunerados, perda dos recursos financeiros e outros.

O mito da mulher moderna que dá conta de tudo, é mais uma ferramenta de dominação. Isso está adoecendo as mulheres pelo excesso de tarefas e responsabilidades. 

As terapias Integrativas colocam as mulheres em contato com ferramentas que proporcionam a elas auto regulação física, mental e emocional de forma integrada.

Com isso, as mulheres conseguem rever o que é essencial, desenvolvem o autoconhecimento, e resgatam o sentimento de merecimento em receber. 

Receber cuidado, atenção, afeto, escuta e acolhida.

Você percebe alguma diferença na estrutura emocional entre mulheres que procuram as terapias e os homens?

Manú: Sim, as mulheres buscam as terapias Integrativas majoritariamente por estresse e sobrecarga, sobretudo, emocional. É uma forma de dizer pra si mesma “eu preciso dessa pausa.” As mulheres conseguem falar sobre tudo o que estão sentindo já na primeira sessão, o que ajuda muito no processo terapêutico. Se reconhecem de forma integrada (corpo, mente e emoções), com mais facilidade.

Os homens, de modo geral, não costumam olhar para as suas emoções. Quando procuram as terapias têm dificuldade em expor as camadas emocionais. Geralmente reclamam de questões físicas (insônia, dores e etc…). Mas, fica muito claro que o sintoma físico tem raízes emocionais que muitas vezes os homens não querem lidar.

Na sua perspectiva, qual a maior demanda da mulher hoje em relação ao cuidado com a saúde?

Manú: Quando penso em saúde da mulher, penso em acolhimento e descanso. 

É urgente reconhecer que as ações de saúde para a mulher ainda carecem de cuidados de forma integrada. Temos campanhas maravilhosas e ações de saúde que são exemplos para outros países. Porém, as mulheres ao redor do mundo estão sobrecarregadas e isso está nos adoecendo.

Quem acolhe essa mulher?

Quais os locais de escuta?

Quem cuida do seu corpo exausto que somatiza?

Se já sabemos, por exemplo, que as mulheres são as que mais sofrem com as doenças mentais, pelas altas demandas dos seus papéis sociais, precisamos rever muitos tópicos sociais que impactam diretamente na saúde das mulheres.

Saúde é política! 

É urgente que a saúde comece a buscar soluções a partir de respostas mais concretas para essas perguntas, e as terapias integrativas são um caminho! 

Alguma consideração em relação às especificidades do cuidado com o feminino?

Manú: A mulher nunca foi aceita na sociedade moderna com as suas especificidades.

Tivemos ao longo dos séculos que buscar linearidades que não nos são naturais. Nosso corpo é cíclico e nossa forma de sentir é intuitiva. Mas, nada disso é bem visto. 

Tratam nosso sangue como impuro e nossas ciclicidades como loucura. Dizem a todo tempo que nossos corpos não são bons o suficiente. Nos julgam emotivas demais e sensíveis demais. E fomos nos curvando para caber nesses lugares e achar que conquistamos espaço.

Nosso trabalho e demandas aumentaram ao longo dos séculos e hoje as doenças mentais nos afetam muito mais. A conta não fecha.

Me lembro dos registros históricos que temos de sociedades matrilineares, onde nós, mulheres, éramos respeitadas justamente pelo que tínhamos de singular. 

As histórias das tendas vermelhas… Das curandeiras, erveiras, as mulheres que conheciam seus ciclos porque aprenderam a observar a lua. 

A inquisição nos queimou pela nossa potência e conhecimento que nos era peculiar. Quando vemos hoje o resgate da expressão “Bruxa”, estamos falando dessa reconexão.

Acredito que o cuidado com o feminino passa pelo resgate das receitas das avós, dos chás terapêuticos, do conhecimento das plantas, da observância dos ciclos da Lua, da relação respeitosa com o nosso corpo, das rodas de conversa com as amigas, do resgate da potência do riso, do movimento, da dança, da expressão.

Tudo isso nos é natural, mas atualmente pode nos parecer estranho, porque estamos a muitos séculos tentando nos encaixar para “provar o nosso valor”.

E por contradição, o nosso “verdadeiro valor” está no que estamos deixando pelo caminho…

Para pensar o cuidado com o feminino no futuro, precisamos olhar para trás.