sexta-feira, 26 de julho de 2024

Campanha Fraternidade 2024: Bispo Dom Francisco ressalta importância do respeito às divergências para a vida em sociedade

A Diocese de Sete Lagoas realizou na Quarta-feira de Cinzas um evento de abertura da Campanha da Fraternidade 2024, no auditório do Colégio Franciscano Regina Pacis, com a presença de autoridades civis e militares, representantes das diversas pastorais, religiosos, sacerdotes e leigos. No dia seguinte, o Bispo Dom Francisco Cota de Oliveira concedeu uma entrevista ao grupo Sete Dias sobre a campanha, confira:

SD – O que é a Campanha da Fraternidade e como começou?

Bispo – A Campanha da Fraternidade é uma experiência aqui do Brasil e por sinal este ano é a 60ª Edição da Campanha da Fraternidade que começou em 1962 na Arquidiocese do Rio Grande do Norte com Dom Eugênio entendendo naquela época que a igreja precisaria ter uma inserção na vida social. Ele começou a ter essa experiência, logo depois Dom Hélder Câmara, que era secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), conhecendo essa experiência, que passou da Diocese de Natal no ano seguinte, em 1963, para boa parte das dioceses do Nordeste. Aí, D. Hélder Câmara propôs aos bispos que essa campanha fosse promovida no Brasil inteiro. Os bispos acolheram a proposta na Assembleia Geral dos Bispos, que representa a igreja no Brasil inteiro, a sua dimensão pastoral sobretudo. E desde então, a cada quaresma é abordada uma proposta para a vivência quaresmal também. A Campanha da Fraternidade dentro da quaresma é um apelo, é um chamado para que a igreja se esforce mais na conversão do amor ao próximo.

SD – A Campanha é anual ou ela é para o período da quaresma?

Bispo – Ela é anual. Nós temos aqui até uma fragilidade, quase como um equívoco, achando que é apenas um assunto para o tempo da quaresma, para rezar, para refletir. Não, a quaresma é um tempo favorável para conhecer o tema, para estudar o tema, para refletir o tema, mas as ações da Campanha da Fraternidade extrapolam a quaresma. Até que seja promovida a próxima Campanha da Fraternidade no ano seguinte, devemos manter o tema nas nossas atividades pastorais, nos nossos eventos, e os padres normalmente fazem isso nas paróquias. Ao longo do ano, o tema está sempre presente. Nós ainda estamos com bastante limitação de promover o tema fora da igreja.

SD – E qual o tema de 2024?

Bispo – Esse ano a Igreja nos traz a proposta de Fraternidade e Amizade Social, com o lema “Sois Irmãos e Irmãs”, que vem de Mateus 23, versículo 8. Nós estamos vivendo num mundo de muito conflito, ódio, intolerância, rivalidade, mortes e isso fere o convívio humano. A Igreja está preocupada com isso. Nós precisamos criar ambientes e relacionamentos mais saudáveis, pois estão ficando hostis. Hoje nós vivemos num mundo plural e a maneira de participar dele é o diálogo. O mundo plural não combina com a intolerância. Vivemos um mundo plural de identidades étnicos-raciais, de orientação sexual, de orientações religiosas, de práticas religiosas.

SD – Como surgiu o tema deste ano?

Bispo – Nasceu da carta do Papa Francisco, que foi dada à igreja e ao mundo no ano de 2020, “Fratelli Tutti” que propõe a Fraternidade e a Amizade Social. É uma Carta Encíclica que é uma carta para circular na vida da igreja e para a sociedade. O Papa pronuncia, pelo seu magistério, pela sua autoridade de ensinar, ele dá uma carta orientativa para a igreja vivenciar. Então, o Papa tem essa preocupação em relação à cultura da morte, a cultura do ódio, a cultura da intolerância. Então, nós temos que reverter essas culturas pela cultura do encontro, do diálogo, pela cultura do amor fraterno, pela cultura da vida. O Papa fala muito de romper muros e construir pontes, porque a intolerância, o ódio, criam muros, criam barreiras. Então, o Papa pede muito, vamos trabalhar por relações mais fraternas que criam pontes, que unam mais as pessoas, que não criam tanta divisão. A Campanha da Fraternidade foi a maneira que a Igreja do Brasil encontrou de trazer esta carta do Papa para a nossa realidade.

SD – O tema é definido com muita antecedência?

Bispo – A CNBB, ela recebe o Secretariado Nacional, e lá tem o Conselho Permanente, que recebe muitas propostas de temas. Mas cada tema é aprovado com três anos de antecedência da sua aplicação. Vão chegando temas e o Conselho Permanente da CNBB, que é quem toma essas decisões mais importantes que vão ser apresentadas para a igreja do Brasil inteiro, acolhe essas propostas, por meio das votações, das ponderações do Conselho, aprovam o tema, que então entra em elaboração do texto do Manual. 

SD – Quais ações são previstas para trabalhar o tema?

O tema da campanha deste ano tem um diferencial: é um tema transversal, que não precisa criar mais estrutura e sim que todos sintam-se responsáveis por sua aplicação nas atividades que já são realizadas. As ferramentas já estão aí. Então neste ano é mais um propósito, imbuir-se da vontade de colocar em prática sua contribuição para que as relações sociais, pessoais, melhorem. Dentro da igreja temos círculos bíblicos, que são pequenos grupos discutindo o tema à luz da palavra de Deus, Via Sacra, retiro, adoração, celebração penitencial e catequese. Depois fora, a Igreja visa sobretudo as escolas, então nós temos um material para Escolas do Fundamental, Ensino Médio e para a Universidade. E eu tenho pensado comigo que eu vou sugerir também às equipes, acho que é hora de sair o tema para os formadores de opinião. E um forte formador de opinião é a imprensa, os meios de comunicação, que são tão importantes. Se entrarem na perspectiva do tema, podem fazer um bem muito grande. Nós vamos nos esforçar para aquele aconteça na vida da igreja e os meios de comunicação têm mais condição para que ele possa repercutir na vida social.

SD – Como as pessoas podem aplicar o tema da Amizade Social no dia a dia?

Bispo – As pessoas precisam perceber que elas podem oferecer uma contribuição para melhorar as relações, para que nós possamos agir de forma mais humanizada, mais interativa, mais respeitosa, de forma de um espírito de cooperação maior. Ver o outro como meu irmão e não como meu adversário, como meu inimigo, isso é muito importante. Então não trocar, não abrir mão da consideração pelos outros.

SD – A cada ano a Campanha gera uma palavra relacionada à parte sombra do tema, qual a deste ano?

Bispo – Ano passado foi aporofobia, que é aversão ao podre, esse ano a palavra é alterofobia, uma sociedade que tem medo do outro, que tem medo da interação, então por isso que gostam mais da rede social. Então é aí que o identitarismo vai entrando no lugar da pertença. Pertença é uma questão de indentidade, de pertencimento, você pertence a uma família, você é parte de um bairro. Então se nega as suas pertenças e a internet é um instrumento de identitarismo, porque você vai procurar quem pensa como você por meio virtual, mais que presencial. 

SD – Na abertura da Campanha estavam presentes autoridades civis e militares, qual a importância deles para a promoção da fraternidade?

Bispo – Quem tem uma função de liderança na sociedade ou tem um cargo ou uma função pública, então esses são os primeiros a serem chamados a se interessar pelo tema, trazer para a sua função a contribuição desse tema. Aí pensamos nos órgãos públicos, sobretudo naquelas instâncias que têm um caráter mais de cuidar da pessoa como as Secretarias de Educação, Esporte e Cultura. Quando ocorre a intolerância, muitas vezes o estado chega com o aparato da segurança pública, às vezes, de forma repressiva. O Estado já falhou na Educação, já falhou no Esporte, já falhou na Cultura, e depois, a hora que a sociedade entra em conflito, em agressão por intolerância, aí você tem que chegar com a segurança pública de forma repressiva. Então não gostaríamos que o Estado chegasse atrasado, que o Estado chegasse primeiro com uma Educação de qualidade, que já educa para o diálogo, para a tolerância e para o respeito ao outro, que ele promovesse o Esporte como um instrumento de interação entre pessoas, de respeito mútuo, que ele promovesse a cultura como uma formadora de opinião para a pessoa saber conviver de forma saudável com o outro, com as diferenças do outro, com a maneira de pensar, quanto nós podemos fazer na Cultura. Então a igreja oferece uma contribuição complementar, mas o Estado tem toda a máquina pública, todo o recurso que ele tem para essas áreas, para ser bem administrado, para contribuir para a qualidade de vida das pessoas e para boa convivência. É isso que nós convidamos para uma abertura para dizer esse tema se estende a vocês.

SD – Como o senhor vê a forma como tem sido utilizada a internet e as redes sociais? 

Bispo – Nós estamos vivendo na nossa sociedade hoje o identitarismo, as pessoas estão se aproximando umas das outras não porque querem o bem do outro, mas porque se identificam na maneira de pensar. Isso está sendo mais importante para as pessoas do que esse ser humanamente iguais, ou ter vínculos, vínculos familiares, vínculos culturais, vínculos étnicos. Então nós temos muitos vínculos a cultivar, mas ao invés disso nós estamos negando esses vínculos em troca do identitarismo. Eu vou me associar com quem pensa igual a mim, e a internet tem sido uma ferramenta que muitas vezes acaba favorecendo essa busca de identificação no outro pela maneira que ele pensa e de exclusão do outro porque ele não pensa da mesma forma que eu, então ele não participa do meu grupo de relacionamento. “E aí se ele é contra a minha maneira de pensar, que ele é meu inimigo, se ele é meu inimigo, precisa ser eliminado”. Então essa é a grande preocupação.

SD – Quais cidades são abrangidas pela Diocese?

Bispo – Nossa Diocese é formada por 22 municípios, então, saindo daqui da Episcopal Cidade de Sete Lagoas, nós temos mais 21 municípios, com 41 paróquias, cerca de 17 estão aqui na sede e as demais estão nos municípios do entorno que integram a diocese. Dando um pouco de noção dos extremos: nós vamos até Martinho Campos, nessa direção de Paraopeba. Se nós saímos aqui na direção de Prudente de Morais, nós vamos até Matozinhos. Saindo na direção de Jequitibá, nós vamos até Santana do Riacho. Nós vamos também na direção de Cordisburgo. E aqui, do lado de cá, na direção de Cachoeira da Prata, vamos até Pequi.

SD – Quer deixar uma mensagem final?

Bispo – A minha mensagem é a seguinte, a igreja propõe o tema, a nossa vontade é que a sociedade, com as suas instituições, com seus gestores públicos, entenda a relevância desse tema e busque conhecer, porque os nossos ambientes estão precisando que essa questão seja tratada. A nossa convivência e o nosso relacionamento não estão bons. Precisamos unir forças. Aqui eu falo para todas as igrejas, para todas as denominações religiosas, para além das igrejas, cristãos e não-cristãos, qualquer denominação religiosa, que entendam que todos nós queremos um espaço de convívio humano saudável. Que as denominações religiosas, os poderes públicos e as instituições da sociedade civil entendam que a cooperação de todos é importante para construirmos a amizade social.

Por Ana Amélia Maciel