por Priscila Horta
Na última sexta, dia 17 de novembro, participei de uma comitiva formada por três representantes do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher à Casa de Passagem de Mulheres Tina Martins, em Belo Horizonte. O objetivo era conhecer de perto o funcionamento da casa, visto que, em Sete Lagoas há uma expectativa da implantação da Casa de Acolhimento da Mulher vítimas de violência doméstica.
Logo na chegada se percebe um silêncio ensurdecedor no meio da Savassi. Bairro nobre e agitado de Belo Horizonte. Fomos recebidas pela Indira Xavier, uma das mulheres que fazem a gestão da Casa e logo, ela nos sentou no “sofazinho” da realidade.
A Casa Tina Martins é fruto de uma luta popular, iniciada em março de 2016, em forma de ocupação urbana e que, desde então, já acolheu, recebeu, orientou e assistiu cerca de 2 mil mulheres. São doze acomodações disponíveis e as mulheres chegam de quatro cantos: Delegacia Especializada da Mulher, Assistência Social do Município, outras iniciativas da sociedade civil e pela porta da rua.
Todas são entrevistadas e passam por uma triagem inicial. Por não ter estrutura adequada, apenas aquelas que não colocam em risco o funcionamento da Casa de Passagem, são acolhidas. Filhas de até 18 anos podem acompanhar suas mães e filhos até os 12 anos também são bem vindos. Indira explica que “filhos homens, maiores de doze anos podem constranger as internas e causar transtornos, além de representar uma ameaça à reprodução da violência já sofrida por essas mulheres.”
As tarefas são dividas por todas. Hoje, 15 voluntárias prestam serviço dedicado se alternando em turnos de 8 horas. Limpar, cozinhar, atender telefone, escrever projetos, organizar pequenos eventos, produzir suvenires e cuidar das acolhidas são algumas das tarefas diárias dessas voluntárias.
Além dessas voluntárias, a casa conta com uma equipe multidisciplinar igualmente formada por quinze pessoas que prestam orientação jurídica e acompanhamento psicológico às mulheres que ali estão de passagem.
Essas mulheres são acolhidas em momentos de crise, onde sofrem risco de morte em casa e não têm alternativa para se protegerem. Foram muitas as tentativas de invasão à casa Tina Martins e as voluntárias as enfrentaram e enfrentam no peito e na raça. Contam com o apoio da Policia Militar, mas até ela se fazer presente, “a gente tem que enfrentar e é no grito mesmo, não temos muita opção” relata Indira quando questionada sobre possíveis invasões.
Outra pergunta que fizemos, intrigadas com o funcionamento da Casa é: como e com qual recurso elas sobrevivem, como mantém aquelas pessoas alimentadas, vestidas, medicadas? Indira foi direta: – Fazemos política!
“As lutas sociais são árduas e todo dia saio de casa com raiva. Essa raiva me força a lutar um pouco mais.” Mulheres são violentadas a todo instante, mortas, estupradas. Na maioria das vezes por pessoas do seu ciclo de convivência como companheiros, pais, tios. Não são todos os homens, mas é sempre um homem. O que essas voluntárias fazem é um trabalho de formiguinha pra politizar e conscientizar essas mulheres do que elas são vítimas.
O sistema patriarcal nos colocou nesse lugar e é preciso lutar contra ele se quisermos ser livres. “Fazemos aqui bazares, confeccionamos nossas camisetas, buscamos participar de editais, parcerias com empresas socialmente responsáveis, vaquinha na internet, oferecemos cursos e formações. A maioria das mulheres que são acolhidas pela casa é negra e vive em situação de vulnerabilidade financeira”, completou Indira.
A Casa não recebe nenhum recurso financeiro do estado ou prefeitura.
Minhas Angústias
Eu voltei pra casa angustiada.
Se uma iniciativa social passa por tantas dificuldades para se manter, imaginemos quem depende de políticas públicas. A burocracia é tanta, a cegueira é conveniente, a prioridade é zero, e a falta de interesse é tão grande, que mesmo tendo a oportunidade de começarmos a construir essa realidade na cidade de Sete Lagoas nos surgem algumas questões.
Como fazer com que a administração pública se comprometa com políticas de proteção e defesa dos diretos das mulheres sejam permanentes e não promessas de campanha?
Como garantir que essa política será continuada e que não sejamos usadas como moeda de troca de interesses eleitoreiros?
E por fim.
Como envolver a sociedade e o poder público de tal forma para que não haja retrocesso e que não sejamos entregues nas mãos de pessoas descomprometidas com a causa, como por exemplo, fundamentalistas religiosos?
Penso que faço parte de uma rede de vigilância e que a única maneira de contribuir, nesse caso, é me manter atenta e forte.