Da redação

No último semestre de 2024, a Prefeitura de Sete Lagoas, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, realizou um levantamento para identificar qual era a população em situação de rua em Sete Lagoas. O trabalho identificou 170 pessoas com este perfil, um aumento de 17,2% em relação à pesquisa realizada no primeiro semestre do mesmo ano. A atual administração ainda não fez trabalho parecido, mas, com registros fotográficos, o SETE DIAS identificou dezenas de locais na região central e em bairros periféricos que estão sendo ocupados por este público.
A reportagem ouviu a secretaria municipal de Assistência Social, Maria Aparecida Canabrava, a Cidinha, e também Maíra Colares, que já foi titular do mesmo cargo na Prefeitura de Belo Horizonte. A pauta, o aumento de número de pessoas nesta situação, os motivos e os principais desafios para lidar com este fenômeno que atinge Sete Lagoas de maneira crescente.







Cidinha Canabrava informa que 120 pessoas em situação de rua foram atendidas no Centro POP em janeiro, mas este número pode ser ilusório, pois não são todos que procuram assistência da Prefeitura. Ela também faz uma análise dos principais motivos que levam um cidadão a procurar este estilo de vida. Entre as abordagens de Maíra Colares está os fatores que provocam o deslocamento de pessoas em situação de rua entre municípios. Confira as entrevistas a seguir:
Maria Aparecida Canabrava – Secretária de Assistência social de Sete Lagoas

Maria Aparecida França Canabrava tem formação em Direito e Serviço Social. É pós graduada em Direito Público, Gestão Pública, Projetos Sociais, Análise de Projetos e Programas Sociais. Exerceu o cargo de Secretária Municipal de Assistência Social em Sete Lagoas por 10 anos, em três gestões diferentes. Prestou serviço na área de políticas públicas para vários municípios por 28 anos.
SETE DIAS – O Centro POP faz um levantamento constante sobre a população em situação de rua em Sete Lagoas. Qual o cenário atual?
Cidinha Canabrava – A população de rua de Sete Lagoas divide-se em dois perfis: (A) Migrantes, que são as pessoas em trânsito, oriundas de várias cidades, estados e até outros países; (B) População em Situação de Rua, são pessoas de Sete Lagoas que vivem nas ruas. De acordo com o levantamento de janeiro de 2025 foram atendidos um total de 120 usuários. Os motivos são diversos, podendo citar conflitos familiares, uso abusivo de substância psicoativas, saúde mental, egresso do sistema prisional, etc.
SD – Qual é o papel do Centro POP na política de atendimento deste público pela Prefeitura?
Cidinha Canabrava – De acordo com a Lei 20846/2013, que institui a Política Estadual para a População em Situação de Rua, “considera-se pessoa em situação de rua, o grupo populacional heterogêneo – que tem em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, a inexistência de moradia convencional regular, que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia, sustento, de forma temporária e/ou de acolhimento provisório.
SD – Quais são os outros equipamentos que a Prefeitura disponibiliza para atendimento dos moradores em situação de rua?
Cidinha Canabrava – São encaminhados para: CRAS, CREAS, Secretaria de Saúde, Acolhimento Institucional (SMAS), SUMAD E CAPS, CAPS-AD.
SD – Nos últimos anos, o aumento do número de moradores de sua em Sete Lagoas é constante. É possível explicar as causas deste fenômeno?
Cidinha Canabrava – Proximidade com a capital Belo Horizonte, e que, segundo eles Sete Lagoas é uma cidade acolhedora. A desigualdade social e o período pós pandemia contribuíram para este aumento não só em Sete Lagoas, mas também em todo o Brasil
SD – Comerciantes, principalmente, da região central reclamam que as portas de seus estabelecimentos estão sendo transformadas em moradia para este público. A Prefeitura prevê alguma ação para inibir esta situação?
Cidinha Canabrava – É feita diariamente abordagens educativas com o intuito de sensibilizar o usuário para manter limpo e organizado o ambiente que eles se encontram. É ofertado acolhimento para aqueles que são de Sete Lagoas e passagens para os migrantes. A adesão ao serviço, exige trabalho continuado de sensibilização e convencimento, lembrando sempre que estar nas ruas é direito deles assegurado por lei.
SD – É comum encontrar pessoas em situação de rua pedindo dinheiro na porta de restaurantes, lanchonetes e padarias. Qual a orientação para as pessoas que são abordadas?
Cidinha Canabrava – Será realizada campanha no sentido de conscientizar a população para que não de dinheiro, comida, uma vez que é ofertado pelos equipamentos da rede socioassistencial.
SD – Já existe um plano da atual administração municipal para atuar diretamente com os moradores em situação de rua?
Cidinha Canabrava – O plano está sendo elaborado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, com a colaboração de vários segmentos, tais como: Secretaria de Saúde, Polícia Militar, Guarda Municipal e representantes do comércio e indústrias.
Maíra colares – ex-Secretária de Assistência social de Belo Horizonte

Maíra Colares é mestre em administração pública e especialista em gestão pública, a ex-secretária de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de Belo Horizonte.
Maíra atua há 16 anos como gestora, docente e consultora, contribuiu fortemente para que a política de agricultura urbana e agroecologia se tornasse estratégia intersetorial para uma Belo Horizonte mais resiliente e inclusiva e se destacou na jornada de construção de sistemas alimentares sustentáveis e territorializados. Durante sua gestão como Secretária Municipal, a capital mineira foi eleita duas vezes representante da América do Sul no Comitê Diretivo da Rede Internacional Pacto de Milão para Política de Alimentação Urbana, foi cidade mentora na 1ª edição do Laboratório Urbano de Políticas Alimentares (LUPPA) e venceu o Milan Pact Awards (2018).
SETE DIAS – Qual a melhor fórmula para a gestão pública, nos três níveis, enfrentar o desafio crescente de moradores em situação de rua?
Maíra Colares – Esta situação exige uma abordagem integrada e intersetorial, que combine políticas de moradia, transferência de renda, assistência social, saúde mental e geração de renda. Historicamente, houve um desfinanciamento progressivo de políticas públicas essenciais para a prevenção da situação de rua, como programas de habitação e assistência social. A pandemia da COVID-19 agravou ainda mais esse cenário, intensificando o rompimento de vínculos familiares e comunitários e ampliando fluxos migratórios internos. Hoje, para reverter esse quadro, é fundamental fortalecer políticas que priorizem moradia permanente e estruturar programas de qualificação profissional, saúde mental e assistência social. Além disso, a coordenação entre os três níveis de governo é essencial para garantir respostas consistentes e evitar que as soluções sejam apenas paliativas ou fragmentadas.
SD – A que você credita o aumento tão grande da quantidade de pessoas nesta situação?
Maíra Colares – Quando uma pessoa chega à situação de rua, não foi apenas o poder público que falhou – a família, a comunidade e a sociedade como um todo também falharam. O crescimento dessa população é reflexo de múltiplos fatores, entre eles a crise econômica, o desemprego estrutural e a falta de políticas habitacionais acessíveis. Além disso, a precarização do trabalho e o enfraquecimento das redes de apoio agravam ainda mais a vulnerabilidade de determinados grupos. Questões de saúde mental e o abuso no uso de substâncias, como álcool, também são desafios importantes, especialmente quando não há uma rede de assistência eficaz para prevenção e tratamento. O aumento da população em situação de rua é, portanto, um problema sistêmico, que exige respostas igualmente amplas e estruturadas.
SD – A origem da maioria das pessoas nesta situação, abordadas em Sete Lagoas, informa que é de Belo Horizonte ou que sua procedência anterior é a Capital mineira, que fica a 80 Km. Há algum motivo predominante para pessoas em situação de rua escolherem uma cidade destino?
Maíra Colares – O deslocamento de pessoas em situação de rua entre municípios ocorre por diversos fatores, como vínculos familiares, oportunidades de trabalho informal e mudanças na dinâmica econômica e habitacional das cidades. No entanto, um grande desafio é a ausência de uma coordenação metropolitana para enfrentar essa questão de forma integrada. Sem essa articulação, cada município acaba adotando estratégias isoladas, o que gera fragmentação das políticas e pode resultar na simples transferência do problema de uma cidade para outra, sem soluções estruturais. No caso de Sete Lagoas, a proximidade com Belo Horizonte pode ser um fator natural de deslocamento, mas essa mobilidade também reflete desigualdades regionais e a necessidade de uma resposta coordenada entre os municípios para garantir proteção e oportunidades reais de saída dessa condição.