Senna: Uma minissérie chapa-branca que deixa muito a desejar

Crítica de Wellberty Hollyvier D’Beckher*

Uma minissérie claramente feita para o público internacional, que não retrata o piloto, o homem, o namorado ou o filho, mas apenas o ídolo e o símbolo. Mesmo assim, não convence. Ayrton Senna é lembrado até hoje como um dos maiores nomes da Fórmula 1, com três campeonatos mundiais em 10 anos. Morreu aos 34 anos na curva Tamburello, no circuito de Ímola, na Itália. Alguns diriam que foi uma morte anunciada, já que antes de Ayrton, três acidentes já haviam ocorrido no circuito, sendo um deles fatal. Ele não queria correr aquela corrida, era notório, mas seu dever com a equipe e com o público falou mais alto.

Ayrton tinha várias virtudes, principalmente o nacionalismo. Ele começou no kart e foi avançando de categoria até chegar à Fórmula 1. Sua primeira equipe foi a tímida Toleman, que fez o que pôde para oferecer um bom carro ao piloto. Tinham grandes planos para Ayrton em seu segundo ano, mas souberam pela imprensa que ele havia trocado a Toleman pela Lotus, onde ficou por algum tempo. A Lotus tinha um bom carro, um bom motor, mas não era tão competitivo quanto os outros. A Honda, então, ofereceu à equipe seu melhor motor para a temporada seguinte. E o que fez Ayrton? Levou o motor para a McLaren, tornando-se companheiro de equipe de seu grande rival Alain Prost. Considero tais comportamentos no mínimo inapropriados, mas na série eles foram tratados como algo corriqueiro.

O que a série não aborda é Viviane Senna, grande protagonista na vida de Ayrton. Sua irmã mais velha era controladora, ciumenta e obsessiva em relação ao piloto. Seu namoro com Xuxa Meneghel, todos sabiam, não passava de marketing. Suas aparições eram pontuais, nunca ao acaso, e sempre em grandes eventos. Entre 1984 e 1988, Ayrton namorou Adriane Yamin, então com 15 anos, enquanto ele tinha 24. Yamin até escreveu um livro sobre isso, intitulado Minha Garota. É estranho um homem de 24 anos ter um relacionamento com uma garota de 15, mas a Netflix também não mostrou isso. Tampouco abordou seu namoro de um ano e meio com Adriane Galisteu, que foi, de fato, o grande amor de sua vida.

Adriane Galisteu conta que Ayrton morreu sem realizar três grandes sonhos: conhecer a Disney, ter um filho e pilotar pela Ferrari. Adriane é totalmente ignorada na série, não por ser irrelevante na vida de Ayrton, mas porque Viviane Senna não gostava dela. Viviane chegou ao ponto de fazer um dossiê sobre a vida de Adriane, com detalhes íntimos, como ex-namorados, alegando que ela ainda mantinha casos enquanto estava com Ayrton – algo que é mentira. A série também não mostra que, enquanto Senna namorava Adriane Yamin, ele a traiu com várias mulheres pelo mundo, inclusive no Brasil.

A série acerta nas corridas, com reconstruções verdadeiramente brilhantes de algumas delas. Contudo, a parte que trata da vida pessoal de Senna é muito brega, parecendo uma novela de baixa qualidade. A escolha de Vicente Amorim para a direção foi, na minha opinião, equivocada. Ele não tem a experiência necessária para um projeto desse porte. Outra questão que me incomodou bastante foi a forma como trataram Alain Prost como seu único grande rival. Embora fossem, de fato, rivais, ele não foi o único. Deveriam ter explorado a rivalidade entre Senna e Nelson Piquet, uma das mais notórias entre pilotos do mesmo país, bem como a relação com Nigel Mansell, o “Leão”. Também poderiam ter abordado o surgimento da Benetton, que comprou a Toleman, e o início da rivalidade entre Ayrton Senna e Michael Schumacher. Este último, em uma entrevista, chegou a chorar de emoção quando igualou o número de vitórias de Senna, tamanho era seu respeito e admiração pelo brasileiro.

Resumindo, Senna foi gigante, mas não um santo como a série tenta pintar.
A série está disponível na Netflix. Nota: 5.5/10.

*Wellberty Hollyvier D’Beckher é formado em Artes Cênicas pela UFMG e em Crítica e Análise de Filmes pela Faculdade do Rio. Escreve sobre cinema desde 1997. É autor e dramaturgo, com mais de 100 obras publicadas em 16 países.