Sete Lagoas, constantemente, é cenário para a atuação de estelionatários que utilizam identidade falsa ou simulam situações críticas de saúde para aplicar golpes no comércio e residências. Nos últimos dias, a ousadia está sendo ainda maior. Um homem está frequentando paróquias onde alega ser deficiente físico e solicita doações em dinheiro.

O caso já foi confirmado como golpe e motivou um comunicado de alerta disparado por representantes da Diocese e um artigo especial escrito por Wagner Martins:
COMUNICADO IMPORTANTE – ALERTA DE FRAUDE
Atenção, comunidades paroquiais:
Tem circulado pelas paróquias um homem trajando camisa amarela e calça branca, que se apresenta como pessoa com deficiência e pede a palavra ao microfone durante as celebrações ou eventos religiosos, solicitando doações em dinheiro.
Informamos que essa pessoa tem utilizado falsamente o nome de padres e da Igreja para se beneficiar financeiramente, sem qualquer autorização da Diocese ou das paróquias envolvidas.
Pedimos que não concedam espaço para falas públicas nem façam repasses financeiros sem confirmação oficial da paróquia ou do pároco responsável. Orientamos que, diante de tal abordagem, comuniquem imediatamente à secretaria paroquial ou à autoridade competente.
Vamos permanecer atentos e unidos para preservar a seriedade e a integridade de nossas celebrações e da fé do nosso povo.

CRÔNICA DAS LÁGRIMAS
por Wagner Martins
Naquela fria manhã de um domingo do mês de julho, ele chegou à igreja. Lentamente subiu a escadaria, olhando para a cruz, no topo da fachada principal. O tom azul da parede, contrastava com o límpido azul anil do céu, sem nuvens. O sol brilhava forte, já por volta das 08:30, mas ainda assim o frio era intenso.
Ao chegar à porta, ajoelhou-se, abriu os braços e olhou para o altar. Alguns dos presentes olhavam para ele, uns com espanto pela demonstração de fé, outros com um certo receio pela sua aparência e outros com um severo julgamento, exatamente, pela sua aparência. Um jovem com seus vinte e poucos anos, trajado com uma roupa bem simples, um pouco suja. Vestia uma jaqueta de tom esverdeado, uma camisa de malha listrada em cinza e preto, uma calça de moletom, preta, bem surrada e nos pés meias pretas e um chinelo. Se não fosse a sua aparência um pouco suja e se em alguma das peças de roupa houvesse uma marca famosa, talvez não o julgassem tanto.
Eu o observei, desde que cheguei. Uma tatuagem no pescoço, escrita em letras Góticas, quando traduzida do inglês, dizia: “Fé”. De joelhos ele fez o sinal da cruz e segurou algo que trazia no pescoço. Um cordão preto, no qual pendurava-se um pingente, que não sei dizer o que representava. Em seguida ele se levantou, caminhou com as mãos postas, dedos entrelaçados e em prantos. Um choro constante, e confesso, parecia muito verdadeiro. Olhava para a cruz na parede ao fundo do altar, seus olhos pareciam pedir perdão. As lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto ele lentamente caminhava em direção ao banco, onde sentou-se, com as pernas dobradas sobre os bancos e as abraçou colando a cabeça encostada nos joelhos, ele continuou a chorar.
Sentei-me no banco logo à frente do dele, porém, em lados opostos, eu em uma ponta, próximo à janela e ele na outra ponta, próximo ao corredor da nave central. Isso permitiu que eu acompanhasse tudo o que acontecia. Eu não o olhava com desdém ou menosprezava sua dor, nítida em seus atos. Eu me perguntava o que o levou até aquele momento? Seria ele um usuário de drogas? Talvez um morador de rua? Ou quem sabe seria ele uma pessoa com algum problema psicológico? Depressão, talvez? Alguma síndrome que meus poucos conhecimentos, não me permitiam entender? O fato é: Ele precisava de ajuda. Ele estava implorando a Deus por algo que aliviasse sua dor.
No momento da consagração ele se ajoelhou e reclinou a cabeça sobre as mãos apoiadas no banco da frente. Não podia deixar de acompanhar a missa, mas, por instantes pude perceber que ele continuava a chorar. Assim que nos levantamos vi quando ele de repente ficou em silêncio, olhando fixamente para o padre. Depois começou a sussurrar algo, que não consegui decifrar, olhando para a cruz. Pensei: Ali está um homem de fé. A seu modo, por qualquer que seja sua razão, ele está expondo sua alma, diante de Deus.
Chegou o momento da comunhão. Ele esboçou um leve sorriso. Ficou olhando para o altar. A fila começava a se formar no corredor central, seguindo em direção ao altar, onde o padre e os ministros estavam lado a lado aguardando os fiéis. Ele levantou-se e entrou na fila. Parecia ansioso e ao mesmo tempo envergonhado. Olhava para a cruz e seu semblante era mais leve. Não sei se por sorte ou se por ele mesmo ter manipulado sua posição na fila, seguiu em direção ao padre, do qual recebeu a comunhão na boca. Retornou a seu lugar, com um semblante cada vez mais feliz. Ajoelhou-se e rezou. Voltou a sentar-se olhando para a cruz, agora sorrindo. Ele sorria com os olhos. Parecia agradecido.
Por um breve momento desviei minha atenção, me concentrando em minha oração e na fala do padre que já seguia para benção final. Quando voltei a olhar na direção em que ele estava, já não o encontrei mais. Olhei para a porta e não o vi. Simplesmente sumiu.
Neste instante, subia ao púlpito da igreja um senhor que dizia ter sofrido um AVC e estava se recuperando, mas precisava de ajuda com sua cirurgia, para recuperar o movimento das mãos. Este sim, com um ar simpático e uma história comovente atingiu em cheio os corações bondosos e generosos ali presentes. Ele disse que estaria na porta do lado de fora e que aceitava qualquer tipo de ajuda. Praticamente todos pegaram seu cartão com uma chave PIX ou lhe deram, ali mesmo, algum valor em dinheiro.
No dia seguinte recebemos uma mensagem do padre, denunciando que o bondoso homem, que pedia ajuda na casa de Deus para realizar uma cirurgia era um golpista e usava o nome da diocese para tirar proveito de uma situação. Muitos, inclusive minha esposa, já haviam doado algum valor. Um dinheiro para alimentar um homem que parecia ser de boa índole. Trajava boas roupas, limpas, contou uma história comovente e sorria simpaticamente para todos, mas, se fez de vítima, se fez de coitado tentando enganar a Deus.
Quanto ao jovem, que trajava roupas rasgadas, que apenas chorou copiosamente durante toda uma missa e parecia se abrir diante de Deus, deste ninguém sabe nada. Nenhum de nós se aproximou para saber o motivo de sua dor, ninguém lhe estendeu a mão. Ele se esteve ali, entre nós e desapareceu, na invisibilidade que nossa falta de empatia lhe proporcionou. Quem sabe o veremos novamente ou quem sabe ele volte para se mostrar, novamente de coração aberto, ao Pai. Tomara que da próxima vez possa estar melhor e que possa com a mesma fé, apenas agradecer pelas graças recebidas de uma Deus que o ama, por todas as suas imperfeições.
Talvez, em algum lugar, um esteja a chorar e o outro a sorrir. Talvez, em algum lugar, um esteja sorrindo para Deus e o outro rindo da cara de Deus. Talvez, em algum lugar, um anjo de Deus esteja abraçando a alma que caminha em direção à luz e a outra alma, segue seu caminho em direção a escuridão. Quisera Deus que ambos encontrem a paz que só a Fé pode lhes proporcionar. Que ambos encontrem a verdade. Quisera Deus que um dia, diante de seu trono, ambos possam estar ali ouvindo-o chamá-los de “meus filhos”. Nunca é tarde para nos convertermos!