É Julio Casares, presidente que está conseguindo tirar o São Paulo do atoleiro e voltou com o clube para as grandes decisões do nosso futebol.
Ótima entrevista dele à Mônica Bérgamo, na Folha de S. Paulo de domingo, 18.
Diferente da maioria dos dirigentes do São Paulo, ele é origem simples, da zona leste da capital paulista. Advogado, publicitário, radialista, ex-SBT e Record, tenta se manter como torcedor raiz, sem deixar a cegueira da paixão tomar conta das decisões importantes que precisa tomar no dia a dia. Assumiu a presidência em 2020, foi reeleito ano passado.
Um resumo do que ele falou à Mônica Bergamo:
Origem são paulina
Morava em uma rua de terra no [bairro] Parada XV de Novembro, na zona leste, pra lá de Itaquera. Meu pai [Olean] punha a criançada nos carros antigos que ele tinha, Ford, Chevrolet, minha mãe [Maria] fazia sanduíche de mortadela, e a gente partia carregando as bandeiras. Era um programa maravilhoso.
Com 14 anos, eu trabalhava como office-boy no centro da cidade, no grupo Pedro Ometto, hoje Cosan.
Eu fazia o serviço a pé para economizar os passes [de transporte coletivo] e pegar ônibus no fim de semana para ir no jogo.
Morumbi ainda tem geral
O São Paulo é hoje o clube mais popular do Brasil, o que tem a melhor média de público no estado. O setor popular, com 14 mil lugares, é o ingresso mais barato do Brasil.
Um líder da torcida me disse: ‘Pô, te acusavam de golpe. Agora a torcida quer dar um golpe para que você continue’
O “Morumbis”
Pensamos em Morumbic [da caneta BIC], Morumbig [do supermercado Big], tudo para negociar o nome sem perder a nossa essência. E fizemos a proposta para a Mondelez [que fabrica o chocolate BIS]. Nossa negociação do naming rights, por três anos, foi a maior já realizada, proporcionalmente [a imprensa fala em R$ 25 milhões por ano].
E a resposta foi tão grande que eu até vou sentar com os empresários daqui a um ano e dizer: “Vamos prorrogar esse contrato, em outras bases?” Até o metrô anuncia a estação [na região do estádio] como “Morumbis”.
Torcedor raiz
Eu sou do tempo em que a entrada dos jogadores em campo era um acontecimento. Entrava o primeiro time, a torcida dele fazia uma festa, papel picado, fogos. Entrava o outro, a torcida adversária comemorava. E ali a gente já media [quem estava mais forte]. Entrava o juiz, e todo mundo vaiava.
Hoje os dois times entram com o hino oficial da federação, da CBF, como na Europa. Mas o Brasil tem particularidades.
Eu espero que o futebol de São Paulo volte a conviver com torcidas contrárias, como ocorre em outros estados.
Civilidade
Um dia a Leila [Pereira, presidente do Palmeiras] me ligou perguntando se eles poderiam jogar no Morumbi, porque haveria show no Allianz Parque [estádio do Verdão]. Eu falei: “Claro que sim”. Eles já jogaram aqui duas vezes, e nós, uma vez lá [no Allianz]. Muita gente dizia que era um perigo [as torcidas depredarem o estádio adversário]. Confesso que dormi preocupado, “pode acontecer uma desgraça”. Mas acreditamos. E deu certo.
Hipocrisia das proibições
Em São Paulo não pode bandeirão nos estádios, não pode cerveja, não pode torcedor [de outro time]. Por mais que tenha aspectos de segurança, cabe uma maior discussão.
O cara bebe fora do estádio—cerveja, destilado, bebida às vezes sem procedência— e entra pouco antes de o jogo começar, já turbinado. É um contrassenso, uma hipocrisia.
Dívidas
Nosso endividamento está próximo dos R$ 600 milhões, algo parecido com um ano de faturamento do clube. É administrável. A dívida de curtíssimo prazo é de R$ 250 milhões…
… E há várias situações. Todo mês, por exemplo, eu pago R$ 450 mil para o Daniel Alves. Na saída dele, fizemos uma confissão de dívida e um acordo que baixou a dívida para R$ 25 milhões. Estamos pagando.
Equilíbrio nas contas
… Se você decidir zerar a dívida, ou reduzi-la bastante, vai tomar decisões que vão diminuir a tua competitividade.
O futebol é muito caro. Se não tem receita, você não monta um time competitivo. Vai correr risco de rebaixamento —e de perda de uma receita de TV que é de mais de R$ 100 milhões por ano.
Além disso, a felicidade do torcedor é ser campeão.
Você tem que ter um bom time sem fazer loucura. …Você tem o desafio de ser um gestor racional, e de ser também o torcedor-raiz.
Recuperação em campo
Fomos campeões paulistas em 2021, chegamos a duas finais em 2022, no ano passado veio a grande conquista [Copa do Brasil]. E começamos 2024 com outra grande conquista [Supercopa].
A Copa do Brasil nos trouxe ainda um prêmio [pago pela CBF] de R$ 80 milhões. A bilheteria aumenta, o torcedor chega ao estádio cinco horas antes do jogo, consome, compra camisa. É uma coisa de louco.
Valoriza os jogadores. E quando vendemos o Beraldo, por um valor extraordinário [R$ 107 milhões estimados], equalizamos as contas naquele momento.
É um círculo virtuoso.
Custos nas alturas
Jogador da base ganha R$ 15 mil por mês. Quando sobe para o profissional, já vai para R$ 40 mil, R$ 50 mil. Se performar bem, salta para R$ 80 mil. Quando é campeão, vai para R$ 280 mil ao renovar contrato.
Então, quando somos campeões, a despesa aumenta. Mas as receitas sobem.
Dorival Jr. na seleção
… era o sonho do Dorival. E ele foi.
Então veio o nome do [Thiago] Carpini [para assumir a vaga de Dorival], um cara estudioso, comprometido. E aí entra a coragem de você apostar em um técnico novo, né? Temos que apoiar, pois virão fases difíceis.
Futebol na veia
Eu gosto de assistir o jogo ao lado do pessoal do futebol, com o Muricy. Eu adoro receber autoridade [nos camarotes em dia de jogo], mas eu sou da bola.
No dia de jogo, eu não vivo como um cara normal. Eu entro num transe.
Começo a pensar exclusivamente no jogo. Será que alguém vai se machucar? Como é que está o público? E o jogo? E o técnico?
Quando acaba a partida, o dirigente não comemora. Ele fica aliviado. “Passou a quarta”. Só que aí vem o domingo.
Gramado sintético, não!
Minha grama vai ser sempre natural. O Morumbi é um solo sacrossanto que recebe muito sol
Salário do presidente
Eu ganho um salário, um pró-labore, que não chega à metade do que os meninos da base ganham quando são promovidos. Recebo em torno de R$ 26 mil, líquidos.
Mas não reclamo. Eu me preparei para isso. Eu ganhei muito dinheiro na televisão, eu vivo dos aluguéis dos imóveis que comprei. Eu me viro.
Quase morreu de Covid
Eu viajava com o elenco, a gente fazia teste para detectar a Covid todos os dias, eu fiz mais de 120 testes.
Na volta de uma viagem à Argentina, senti meu corpo doendo. Fui para o Hospital Albert Einstein, precisei de oxigênio e já fiquei internado.
Dias depois, entraram uns quatro médicos [no quarto], todos paramentados, parecendo astronautas, e um deles me disse: “Vamos ter que te intubar”.
Meu mundo caiu. “Sério, doutor?”.
Eu só pensei em ligar para o meu filho e dizer: “O papai vai intubar, mas vai ficar tudo bem. Fica firme aí”. Foram duas semanas na UTI.
Quando você volta [da sedação], está sem força, não consegue escrever, não consegue falar. O enfermeiro te limpa, literalmente, te faz a barba, você não é nada.
Quando sai, revê alguns valores. Entende que precisa levar a vida com mais leveza.
E aquilo também me aguçou a fazer mais para o São Paulo.
Shows e receitas no Morumbi raiz
Um estádio não vive só do futebol. Nós trouxemos vida ao Morumbi. São 6.500 pessoas que vêm aqui diariamente, em restaurantes, academia de ginástica, bufê infantil.
No esquema de shows, quem faz são Live Nation, Time for Fun. O São Paulo tinha deixado de conversar com eles. E o Allianz Parque pegou todo esse mercado.
Decidimos voltar ao roteiro.
E o que eu posso oferecer? Preço. Porque o Allianz tem que pagar o investimento que fez [em obras]. Eu não preciso mais. Se eles cobram R$ 1,5 milhão, eu posso cobrar R$ 1,2 milhão.
Agora, vamos fazer shows aqui em datas que não comprometam o futebol. A minha grama vai ser sempre natural. O Morumbi é um solo sacrossanto que recebe muito sol.
Reforma sem mudar as características
Eu já falei aos arquitetos que eu não quero que mude o conceito do estádio. Quero que ele continue raiz.
Eu só quero que, no térreo, o torcedor fique mais próximo do campo. Você vai ter mais camarotes, mais áreas de restaurantes, sem mudar a essência do estádio.
Eu quero manter o estádio com sol, então a cobertura parcial na qual estamos pensando para um anfiteatro não pode comprometer o todo. E ela tem que me possibilitar fazer uma luta de UFC, um jogo de tênis ou um espetáculo musical para 20 mil pessoas. E, num grande show, o estádio vai abrigar de 90 mil a 100 mil pessoas.
A entrevista completa está no: