Ciência não tem fronteira: sete-lagoano Luiz Pereira desenvolve pesquisa científica que pode desvendar movimentação de vulcões

Por Celso Martinelli

O cientista Luiz Pereira, natural de Sete Lagoas, tem ganhado destaque no cenário científico internacional com pesquisas inovadoras sobre a dinâmica de magmas e vidros nucleares. Em um de seus estudos mais surpreendentes, um simples experimento com amendoins e cerveja revelou princípios físicos aplicáveis à separação de minerais e ao comportamento do magma terrestre. Atualmente professor e pesquisador na Universidade de Beihang, na China, Luiz compartilha sua trajetória, desafios e descobertas que podem influenciar a geologia e até mesmo a indústria do vidro nuclear.

Luiz Pereira desenvolve estudos sobre materiais vítreos, produtos vulcânicos e processos físicos que ocorrem em magmas e vidros nucleares.

SETE DIAS – Professor Luiz Pereira, como sua cidade natal influenciou sua trajetória na ciência?
Luiz Pereira – Sete Lagoas teve um papel fundamental na minha formação. Desde cedo, tive professores que incentivaram o interesse por ciência, principalmente nas aulas de física e química. Além disso, a presença de um polo siderúrgico na cidade me motivou a cursar Engenharia Metalúrgica na UFMG. A valorização de profissionais da cultura e da ciência por instituições locais, como a Prefeitura e o jornal Sete Dias, é algo muito positivo e que contribui para o reconhecimento do trabalho de pesquisadores.

SD – Onde estudou em Sete Lagoas e como foi sua relação com a cidade?
Luiz Pereira
– Estudei no Anglo e no CNEC-CEI, onde tive professores que despertaram meu interesse pela ciência, como Luiz Fernando Bruxa e Eloíza Barbosa Maciel, que ensinavam química de forma prática e envolvente. Junto com meu grande amigo Élcio Duarte Cardoso Junior, que considero meu primeiro colaborador científico, fazíamos experimentos caseiros, testando princípios químicos por conta própria. Minha família sempre apoiou esse despertar científico, o que foi essencial para meu desenvolvimento.

Família Pereira em Avignon (França), durante a visita realizada durante o doutorado do Luiz Pereira, na Escola de Minas de Paris e no ‘Commissariat à l’énergie atomique et aux énergies alternatives’ em 2019. Na foto, com a mãe Delma Maria de Paula Pereira, o pai Luiz Carlos Duarte Pereira e a irmã Júlia Fernanda de Paula Pereira.

SD – Como foi sua trajetória acadêmica e profissional até chegar à Alemanha?
Luiz Pereira
– Após concluir o ensino médio, ingressei no curso de Engenharia Metalúrgica na UFMG em 2011. Em 2014, participei do programa Ciência sem Fronteiras, realizando intercâmbio na Universidade de Derby (Reino Unido) e estágio de pesquisa em vidros na Universidade de Lille (França). Depois de me formar, iniciei meu doutorado na Escola de Minas de Paris (MINES ParisTech), pesquisando a formação de bolhas em vidros fundidos no contexto da vitrificação de rejeitos nucleares. Em seguida, fiz pós-doutorado na Universidade de Munique (LMU), estudando a dinâmica de magmas em alta temperatura. Posteriormente, fui contemplado com uma bolsa de pesquisador Alexander von Humboldt (2022-2025) e, em março de 2025, assumi a posição de professor associado na Universidade de Beihang, na China.

SD – Quais desafios enfrentou ao trabalhar com pesquisa internacional?
Luiz Pereira
– Ao deixar o Brasil para seguir carreira em pesquisa em outros países, os desafios mais complicados foram: (1) a distância da família e dos amigos, (2) a necessidade de trabalhar constantemente em outro idioma – algo que foi desafiador no início, mas se tornou natural com o tempo – e (3) a adaptação a uma nova cultura e ao estilo de trabalho de um país diferente do meu. Hoje, sinto confortável colaborando com profissionais de diversas nacionalidades, incluindo Brasil, México, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e China.

SD – Você ainda mantém contato com Sete Lagoas? Há colaborações em andamento?
Luiz Pereira
– Sim. Em uma visita à cidade no início de 2025, surgiu a ideia de conduzir pesquisas sobre a escória siderúrgica, analisando suas propriedades reológicas, ou seja, como esses materiais fluem no espaço. O estudo ainda está no começo, mas vejo grande potencial na pesquisa.

SD – Como um experimento com amendoins e cerveja se conecta ao estudo dos vulcões?
Luiz Pereira
– O magma é uma mistura de material líquido com partículas sólidas (cristais) e bolhas de gás. Ao abrir uma garrafa de cerveja, por exemplo, o gás dissolvido forma bolhas – o mesmo acontece no magma sob pressão. Algumas partículas sólidas têm afinidade com bolhas e podem alterar seu comportamento.

De forma contraintuitiva, bolhas pequenas podem descer com cristais grandes, e cristais pequenos podem subir com bolhas grandes. Esse fenômeno pode explicar a formação de depósitos minerais densos em vulcões e impacta áreas como a indústria de vidros nucleares.

No experimento, ao colocar amendoins na cerveja, eles atraem bolhas, flutuam para a superfície, perdem gás e depois voltam a afundar, criando um movimento cíclico. Isso simula o que acontece em sistemas magmáticos.

Luiz Pereira realizando sinterização de simulante de regolito lunar, explorando métodos para a fabricação de materiais diretamente a partir dos recursos da própria Lua.

SD – Esse fenômeno pode ser aplicado ao estudo da Serra do Espinhaço, perto de Sete Lagoas?
Luiz Pereira
– Nosso estudo usa um sistema análogo ao magma, simplificando processos naturais. Para aplicá-lo a regiões como a Serra do Espinhaço, seria necessário analisar suas características geológicas e químicas específicas.

SD – Sua pesquisa pode contribuir para a previsão de erupções vulcânicas?
Luiz Pereira
– Ainda não diretamente, mas nossos resultados ajudam a entender melhor a dinâmica dos magmas, especialmente a interação entre bolhas e cristais. O próximo passo é integrar essas descobertas aos modelos vulcanológicos.

SD – Esse estudo pode impactar outras áreas da ciência?
Luiz Pereira
– Sim! Ele demonstra que a interação entre partículas sólidas e bolhas altera o comportamento de sistemas líquidos. Isso tem implicações em áreas como geologia, engenharia de materiais e indústria de vidros nucleares.

SD – Você esperava que um simples experimento com amendoins e cerveja teria tanto impacto científico?
Luiz Pereira
– Não! Mas isso mostra como fenômenos cotidianos podem revelar princípios científicos profundos. A ciência está em tudo – basta observar!

SD – Sua equipe pretende expandir a pesquisa para outras substâncias?
Luiz Pereira
– Sim. Estamos estudando como diferentes cristais (representados pelos amendoins no experimento) influenciam a taxa de perda de gás na cerveja, o que pode nos ajudar a entender melhor o comportamento dos magmas.

SD – Que conselho daria para jovens cientistas de Sete Lagoas?
Luiz Pereira
– Encontre o que você realmente ama. Quando isso acontece, o tempo deixa de ser uma preocupação, e “olhar o relógio no trabalho” nunca será um problema. Além disso, todas as disciplinas do ensino médio contribuem para a nossa formação, mesmo aquelas que parecem não ter conexão direta com nossa área de interesse.

Luiz Pereira ministrando um curso sobre flotação de partículas em materiais fundidos, tais como magmas e vidros fundidos na UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México) em 2024 por um convite do Dr. Hugo Delgado Granados

QUEM É

  • Nome: Luiz Fernando de Paula Pereira
  • Nome científico: Luiz Pereira
  • Naturalidade: Sete Lagoas – MG
  • Idade: 32 anos (nascido em 02/10/1992)
  • Família: Filho de Delma Maria de Paula Pereira e Luiz Carlos Duarte Pereira, irmão de Júlia Fernanda de Paula Pereira.
  • Formação e carreira: Engenheiro Metalúrgico pela UFMG, doutor pela Escola de Minas de Paris (MINES ParisTech), pesquisador na Universidade Ludwig Maximilians (LMU) de Munique e atualmente professor associado e pesquisador na Universidade de Beihang, China. Desenvolve estudos sobre materiais vítreos, produtos vulcânicos e processos físicos que ocorrem em magmas e vidros nucleares.