Crítica de Wellberty Hollyvier D’Becker*
Um filme encantador, com atuações belíssimas de todo o elenco e uma reconstituição perfeita do Rio de Janeiro dos anos 70. Estamos em 2024, mas a sensação é de realmente estarmos vendo um filme da década de 70, com figurinos, ambientação, fotografia e montagem que remetem com precisão à época. Até as casas e prédios remetem ao período, mérito do diretor Walter Salles e de sua equipe técnica.
No início dos anos 70, o Brasil vivia o auge da brutalidade da ditadura militar. Em um determinado dia, um destacamento policial chega à casa de Rubens e Eunice e seus cinco filhos, levando Rubens preso por militares à paisana. Ele nunca mais foi visto. Eunice é interpretada de forma magistral pela ótima Fernanda Torres, em um dos melhores desempenhos de sua carreira. A personagem se torna uma verdadeira rocha para a família, lidando com o desaparecimento do marido, o trabalho e a criação dos cinco filhos. Eunice expressa tudo com o olhar — uma dor suavizada pela resignação, mas com traços de saudade, desamparo e, principalmente, incerteza.
Rubens, interpretado por Selton Mello, aparece ao longo do filme em flashbacks que revelam seu lado humano e seu papel como pai. Selton, conhecido também por seu trabalho como diretor e roteirista, entrega uma atuação intensa. Sua química com Fernanda Torres é impressionante. O filme é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do casal.
Infelizmente, alguns críticos e pseudocríticos desdenham da obra, alegando que o contexto da ditadura militar, as músicas de Caetano Veloso e a participação de Fernanda Torres, que é uma atriz declaradamente de esquerda, comprometem o filme. Mas o que isso tem a ver com a qualidade da obra? Arte é arte, independentemente de posição política. Como alguém de direita, torci, por exemplo, para que o documentário Democracia em Vertigem vencesse no Oscar, pois reconheço o valor da arte independente de ideologias. É irresponsável julgar um filme com base em posições políticas. Isso é injusto com os envolvidos e com o público. O importante é a qualidade do trabalho apresentado.
Posso afirmar que Ainda Estou Aqui representa uma das nossas melhores chances no Oscar até hoje. Há possibilidades de indicações para Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Atriz para Fernanda Torres, Melhor Ator Coadjuvante para Selton Mello e até mesmo para Melhor Filme, como ocorreu com O Parasita e A Vida é Bela. Mesmo que o filme não vença, essas indicações são merecidas e já reconhecidas por parte da crítica internacional, que nunca foi tão impactada por uma obra brasileira quanto por Ainda Estou Aqui. Vale destacar também o elenco infantil, que está soberbo, e a breve, mas brilhante, aparição de Fernanda Montenegro como Eunice idosa.
Ainda Estou Aqui pode ser visto nos cinemas. Nota: 10/10.