A Psicanálise do Racismo: Uma Reflexão Crítica sobre “SAGA – Uma História do Povo Preto”

Psicanalista Guilherme Moraleida discute o racismo como conflito psíquico na obra apresentada pela Preqaria Cia de Teatro em Sete Lagoas e Belo Horizonte.

O Racismo como Subjetividade Psíquica Conflituosa
Comentário crítico de “SAGA – Uma História do Povo Preto” por um psicanalista

“Quem não tem história não tem memória,
quem não tem memória não tem passado e
quem não tem passado não se orienta para o futuro.”¹

O espetáculo “SAGA – Uma História do Povo Preto”, da Preqaria Cia de Teatro, traz à tona a história, cultura e sabedoria dos afro-brasileiros, contada com emoção por um homem negro. A peça faz coro aos que desafiam a história oficial, denunciando como ela foi distorcida pelo poder da branquitude. Ela provoca o espectador a reavaliar sua visão sobre a inclusão social da negritude, resgatando verdades sobre a liberdade roubada, a angústia implacável e os corpos torturados, ao mesmo tempo em que reivindica legitimamente os direitos do povo negro.

A proposta do espetáculo é colocar em cena aquilo que muitos preferem ignorar. Através da criação e da sensibilidade artística, “SAGA” faz o público sentir o que, muitas vezes, é invisível, mas profundamente real e impossível de ignorar. A peça aborda o racismo em suas múltiplas formas, retratando a dura sina de ser negro.

“Tem coisas na vida que a gente não pode ignorar.”²
Essa frase resume o impacto da peça, que expõe uma verdade estrutural, tanto social quanto pessoal, que é amplamente presente, mas frequentemente negligenciada. Quando a palavra é dita por um negro, alguém que sofreu o racismo na pele e teve sua voz reprimida, ela quebra a parede da invisibilidade e da ignorância. Mas não basta saber dessa verdade, é necessário mais: que ela seja uma afronta à história distorcida. “A liberdade é não ter medo, é olhar nos olhos e se sentir igual.”³
Enfrentar o racismo requer coragem, e a peça traz essa realidade à tona, desmascarando o racismo diante de todos e expondo a dolorosa experiência de ser negro. Ela desafia a sociedade a subverter os papéis que mantêm, conscientemente ou não, o racismo em vigor.

No palco, a voz de Nathan Brits ecoa as vozes de muitos: “Quem traz no corpo essa marca resiste e insiste com a estranha mania de ter fé na vida.” A peça é uma batalha pela sobrevivência e dignidade, um chamado para reivindicar direitos que não são concedidos, mas concebidos. “SAGA – Uma História do Povo Preto” faz uma narrativa contundente da covardia e crueldade da escravização racial no passado. A interpretação de João Valadares denuncia corajosamente a imoralidade perversa do racismo que, em atos e palavras, continua a discriminar nos dias de hoje, mantendo viva uma dinâmica psíquica conflituosa que ressoa nas profundezas do inconsciente coletivo.

A peça não só reflete sobre a verdade histórica do racismo, mas também alerta para as subjetividades da nossa época. Ela nos leva a confrontar os mecanismos da lógica burguesa que perpetuam os ideais de branquitude e as consequências psíquicas que afligem as almas negras. Como espectadores e participantes dessa história, devemos contribuir para a desconstrução da arquitetura dissimulada do racismo que nos nega. Devemos expor e desvelar as posições reais de cada um, criando uma sociedade onde as diferenças raciais são sustentadas de maneira civilizada, erradicando o racismo e promovendo a equidade no exercício pleno da cidadania.

Guilherme Moraleida – Agosto/24