A Nossa História – Sob a luz do lampião!

por Amauri Artimos

“Quando eu passava no Bairro Boa Vista, ela sorrindo me chamava atenção. Vestido curto e a chave na cintura, era um convite para eu dançar no salão. Eu era novo e, na minha mocidade, o seu pedido eu não podia recusar. Eu dava duro o dia inteiro no garimpo, para de noite a dama conquistar. Na entrada, a porta “vai e vem”, mais parecia um bar do Velho Oeste. E eu me sentia um Jonh Wayne, daquele dos filmes de faroeste. Lá dentro, sob a luz do lampião, a chama dos casais só fazia aumentar. Ficavam se mexendo a noite toda, botando querosene pra chama não apagar. Um “vai e vem” pra cá, um “vai e vem” pra lá. A dança era quente não podia acabar. Um “vai e vem” pra cá, um “vai e vem” pra lá. Dançando a noite inteira, até o dia clarear.” (SOB A LUZ DO LAMPIÃO, Amauri da Matta, Março de 2025). 

Boate Querosene

Essa música faz parte do Projeto “Cantando a Nossa História”. Significa uma volta ao passado, para manter viva a memória coletiva. Nesse caso específico, com um forró, do tipo “pé de serra” (que nos convida a dançar …), eu quis lembrar-me dos cabarés da cidade, tão criticados, mas frequentados por todas as classes sociais. Era uma época em que as moças, para não ficarem mal faladas, sequer podiam passar perto. Andavam do outro lado da rua, observando as mulheres, de vestidos curtos, e as chaves penduradas na cintura. Nas ruas onde ficavam essas casas de encontro, as residências tinham placas, indicando “ambiente familiar”, para não serem com elas confundidas. Era comum ver os rapazes nelas entrando, depois das vinte e duas horas, com todo o cuidado, para não serem flagrados. Voltavam das casas de suas namoradas, onde ficavam até aquele horário, de mãos dadas, bem comportados, no sofá da sala de televisão. Os pais das moças, muito educados, não desgrudavam do casal, dispensando-lhes toda a atenção.  

As boates tinham os nomes mais diversos: Bang Bang, Bar Cristal, Baril,  Cabaré do Babá, Chácara, Cherry Brasil, Danúbio Azul,  Dora, Jardim de Alah, Jovita, Kilômetro 02, 707, Helena, Mangueira, Pretinha, Pensão da Maria Gomes, Pantera Negra, Querosene, Rua Curvelo, Sonho Azul, Terezão, Toque do Baião e Zilá. Viveram os seus melhores dias na era do garimpo, quando os cristais da nossa cidade eram vendidos no país e no exterior, para se tornarem joias ou serem utilizados na fabricação de rádios transmissores, meio de comunicação dos soldados americanos durante a 2ª Guerra Mundial. O Bairro Garimpo, atual Bairro Santa Luzia, assim era chamado porque, no local, a extração de mineral era abundante. O dinheiro corria solto e os garimpeiros se divertiam nos cabarés, bebendo “ki-Suco” com cachaça e presenteando as amadas. Se a relação acabava, podia se tornar um problema. Houve o caso em que o carnê de pagamento de uma geladeira deixou de ser pago pelo ex-amante, e o produto precisou ser devolvido. Episódio triste. A dona do quarto, constrangida, entregou a chave para o funcionário da loja, que lá compareceu e recolheu o produto.

Pode-se afirmar, com relativa certeza, que a lei era cumprida, pois menor de idade não entrava de jeito algum! No Terezão, ficava uma mulher na portaria, com um porrete na mão, para impedir que menores frequentassem. O Jardim de Alah, que ficava no Bairro Boa Vista, cedeu o lugar a uma Delegacia de Polícia. Foi vendido, a pedido do padre, pois ficava próximo à Igreja Santana. O cenário preferido era de um filme de faroeste, com bar, salão e espaço reservado. Os shows, no Mangueira, quem os fazia era o sapateiro João Xavier de Paula, o “João Carumbé”, cantor romântico, que, com a sua rabeca, tornava o ambiente ainda mais carregado de paixão. Foi, sem dúvida alguma, um dos grandes astros da época de ouro da Rádio Cultura. O Mangueira – dizem – era uma boate de respeito. Tinha até professor de dança, que com o seu terno de linho branco, chapéu “Paraná”, e perfume “Lancaster”, ali comparecia, todos os dias, no fim da tarde, para dar aulas às cortesãs. O respeito, no recinto, era tão grande que, certa vez, ao separar uma briga, o dono exclamou: “Vocês estão pensando que aqui é o Iporanga?” Foi o que ouvi dizer, dentre outros casos, que fizeram mais um capítulo de nossa história!

Fonte: Retalhos do Passado.