Chacina de Angueretá – Jornalista Renato Alves Costa desvenda mistérios de um dos mais macabros episódios da história brasileira

O premiado jornalista sete-lagoano, Renato Alves Costa, do jornal O TEMPO, desvendou mistérios de um dos mais macabros episódios da história brasileira. Há 50 anos, bombeiros retiraram 19 crânios de duas cisternas em uma fazenda de Angueretá, na região Central de Minas Gerais.

Renato Alves é jornalista e escritor, com mais de 20 anos de carreira. Já atuou em veículos como Correio Braziliense, Revista Crusoé, e The Brazilian Report. Cobriu grandes eventos internacionais, incluindo a Copa do Mundo na África do Sul e o terremoto no Haiti. Também esteve na Coreia do Norte durante um teste de bomba atômica e é autor dos livros-reportagem O Caso Pedrinho, O Povo da Lua e O Reino Eremita.

O desenrolar desta história foi revisitado em uma série de reportagens, podcast e vídeo: são histórias de traição, vingança e assassinatos sobre um capítulo sangrento do país.

Neste primeiro episódio, o repórter Renato Alves mostra como uma briga entre dois fazendeiros causou uma matança sem fim. Confira:

https://www.otempo.com.br/especiais/chacina-de-anguereta/2025/2/17/episodio-1-chacina-de-anguereta-a-rixa-que-resultou-em-matanca

Sob forte suspeita de haver mais ossadas e com policiais militares e fazendeiros como suspeitos da matança, a investigação foi interrompida abruptamente. Era época da ditadura militar.

O mistério das ossadas do distrito das Almas: um sombrio capítulo da ditadura militar no Brasil

Série de reportagens desvenda mistérios de matança que assombra o sertão mineiro 50 anos após descoberta de ossadas em cisternas durante a ditadura militar

Distrito da região Central de Minas Gerais, Angueretá conserva um macabro tabu. De origem tupi, seu nome é uma forma adaptada de “lugar das almas”. Surgido de fazendas de gado que exploravam mão de obra escravizada, era chamado “distrito das Almas” enquanto pertenceu a Sete Lagoas. O povoado foi incorporado pelo município de Curvelo em 1953. Pouco depois, passou a ser cenário de execuções e ocultação de cadáveres. 

Os crimes foram descobertos em 1975 com a escavação de duas cisternas em uma fazenda. Bombeiros retiraram 19 crânios. A maioria, nunca identificado. E, tanto os que trabalharam na investigação, quanto testemunhas e moradores, disseram que poderia haver mais, naqueles buracos e em covas de diferentes propriedades do lugarejo e no rio Paraopeba, à margem delas, perto do córrego das Almas.

Para jogar luz nesse episódio, conhecido como Chacina de Angueretá, uma equipe de O TEMPO resgatou documentos e esteve no povoado e em outros lugares onde moravam acusados e vítimas. Escutou avisos para não mexer no passado. Foi alertada sobre pistoleiros orientados. Ainda hoje, a pouco mais de 100km de Belo Horizonte, terras são tomadas à força e homens armados e encapuzados expulsam forasteiros. 

Mas houve quem falou sobre o que muitos querem manter silenciado. Em entrevistas, parentes e amigos dos acusados e de possíveis vítimas contaram da matança, dos bastidores das investigações e dos destinos dos suspeitos. Ninguém cumpriu pena pelo conjunto de execuções em Angueretá. Houve ordem para interromper o trabalho que poderia levar à identificação das ossadas e à descoberta de mais. 

As mortes ocorreram entre 1964 e 1974. Elas foram atribuídas a um grupo de fazendeiros e policiais da região. Era época da ditadura militar, regime apoiado pela maioria dos produtores rurais. Com liberdades civis suprimidas e um novo código de processo penal militar, o Exército e a Polícia Militar podiam prender e encarcerar pessoas consideradas suspeitas, além de impossibilitar qualquer revisão judicial.


Cemitério de Angueretá onde está enterrado Zé Figueiredo e Feliciano Duarte. Foto: Fred Magno/O Tempo

Pessoas sumiram após serem presas sem acusação formal

No caso de Angueretá, ao contrário do propagado pelos defensores de tal prática, que exaltavam (e ainda exaltam) uma espécie de limpeza social com o sumiço de supostos bandidos perigosos da antiga cadeia de Sete Lagoas, entre as prováveis vítimas não havia nenhum condenado por crime grave, mas suspeitos de pequenos furtos, pessoas envolvidas apenas em brigas e mesmo trabalhadores sem nenhuma acusação.

A maioria desapareceu após contato com policiais militares. Alguns eram alcoólatras vistos como um “problema” por se envolverem em confusões. Outros entraram na mira dos policiais por furtarem comércios, sem violência. Já alguns homens desapareceram porque eram desafetos dos agentes de segurança. 

Por outro lado, entre os policiais acusados de integrar o esquadrão da morte, havia suspeitos de delitos diversos, como extorsão e falsificação de documentos. Mas eles contaram com o apoio de políticos, inclusive ganhando cargos e aposentadoria em empresa pública. Um desses PMs inclusive foi acusado de sequestrar e matar para roubar e vender carros das vítimas. 

Documentos mostram uma Polícia Civil determinada a desvendar o mistério das ossadas. Delegados garantiram a culpa dos suspeitos, com provas e confissões. Mas logo após o início da escavação nas duas cisternas e de outras, o trabalho parou. Acusados mudaram as versões dos depoimentos assinados em delegacias. Passaram a negar tudo. E o caso sumiu do noticiário, controlado por censores da ditadura militar. 


Mata onde se encontra a cisterna. Foto: Fred Magno/O Tempo

Agora, 50 anos após a descoberta das cisternas, o episódio ganha este caderno
especial e as demais plataformas de O TEMPO, com áudios e vídeos. O conteúdo não só reconstitui esse capítulo nebuloso da história brasileira como traz elementos que preenchem lacunas, como as identidades de boa parte das possíveis vítimas de um grupo criminoso que agiu impunemente.

Tudo com relatos de traição, tocaias, fugas, vingança e assassinatos no sertão mineiro, com cenários e personagens iguais aos das obras de João Guimarães Rosa. Mas sem tantas veredas quanto as que inspiraram o escritor de Cordisburgo, cidade vizinha a Angueretá. Desmataram quase todo o cerrado nas terras que, ainda hoje, são motivo de violentas disputas.

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